A pandemia do COVID-19 está demonstrando as faces mais cruéis da desigualdade em Porto Alegre: a segregação urbana e a inviabilização do transporte público de qualidade!
Com a flexibilização da política de isolamento social, proposta tanto pelo prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB), quanto pelo governador Eduardo Leite (PSDB), que permitiu a reabertura de diversos tipos de estabelecimentos, há maior circulação de pessoas, sobretudo de trabalhadores. E, consequentemente, maior demanda e utilização do transporte coletivo.
A forma com que o governo Marchezan implementou o isolamento social, de maneira gradual e a partir de diversos decretos que buscaram preservar setores da economia e do serviço público, causou uma série de transtornos pra população. E mesmo com a criação do Comitê de Gestão da Crise, Porto Alegre enfrenta contradições que ameaçam a viabilidade do distanciamento social.
Um exemplo que evidencia essa contradição pode ser observado no transporte público. Por um lado, os ônibus da cidade, por decreto, não podem transportar mais de 10 ou 15 passageiros em pé. No entanto, desde a chegada da pandemia, em março, dezenas de linhas já foram suspensas e/ou unificadas, ou tiveram seus horários alterados.
Soma-se a essa conjuntura o fato de que os empresários de ônibus já tentavam barganhar um aumento abusivo da passagem desde janeiro de 2020 – para R$ 5,05, uma das passagens mais caras do país -, e só conseguimos segurar porque para uma parte dos conselheiros do COMNTU (Conselho Municipal de Transporte Urbano) o valor era óbvio muito caro, e para outra fração de conselheiros vinculados às empresas de ônibus, era muito baixo. Ainda, um setor de conselheiros destacou a importância de análise das denúncias de irregularidades apresentadas às vésperas da votação sobre o aumento.
A luta anual contra o aumento da passagem é parte de uma batalha muito maior e mais complexa, contra a chamada ‘máfia do transporte coletivo’. Antes de 2015, Porto Alegre estava há mais de 20 anos sem um processo licitatório para o transporte coletivo. Foram as lutas nas ruas, junto ao Bloco de Lutas pelo Transporte Público, que pressionaram para que houvesse a histórica licitação. Porém, os esquemas decorrentes do ‘jeitinho’ dos empresários de fazer gestão ainda não foram resolvidos.
É de conhecimento geral que há uma grave crise decorrente de má gestão nas empresas de ônibus em conluio com a morosidade do Governo Marchezan em relação à fiscalização do transporte público. Importante destacar que quando Marchezan enviou para a Câmara de Vereadores o pacote de projetos sobre transporte – os quais abarcavam desde a eliminação dos cobradores a médio prazo, como taxar os motoristas de aplicativo, até a possibilidade de um subsídio do Governo Federal às empresas (o que, sem critérios claros e rígido controle público, simplesmente pode ser usado para aumentar o lucro dos empresários) – ficou ainda mais nítido que a Prefeitura não quer mexer nos privilégios históricos dos empresários, mas sim passar a conta para a classe que vive do trabalho.
O principal problema do transporte coletivo da cidade é que hoje ele é dirigido por empresários que não têm compromisso social com a qualidade e, nesse momento de pandemia, sequer com a vida dos trabalhadores da categoria do transporte público – os quais seguem sendo perseguidos, assediados e demitidos – assim como não se preocupam com a população que é transportada como gado em coletivos superlotados em um momento em que a OMS afirma que é absolutamente necessário o distanciamento social para a preservação da vida.
Desde 2016 as empresas são isentas de impostos (ISSQN) sem que haja a fiscalização efetiva por parte do poder público municipal em relação às contrapartidas legais não efetivadas por essas empresas, assim como a Prefeitura não se movimenta para ter o controle da gestão da bilhetagem antecipada, somando-se o fato de que os valores arrecadados com a publicidade nos ônibus não são utilizados para a modicidade da passagem (diminuir seu valor), todas essas questões legais ignoradas por empresas e Prefeitura, seguindo o histórico de falta de transparência e gestão pública do transporte de Porto Alegre.
Precisamos defender um novo transporte coletivo para a cidade, que seja transparente, com gestão não somente pública mas popular, mais próximo ao controle dos usuários. É necessário lembrar que foi a Carris – uma empresa pública, que já sofreu diversas tentativas de ser privatizada – que, em meio à crise do COVID-19, adotou parte das linhas que foram excluídas pelos empresários. Mesmo sendo alvo de constantes ataques por parte daqueles que querem privatizar a Carris, esta empresa pública está mostrando a sua importância para a população, principalmente a que vive nas periferias da cidade.
O protesto que ocorreu na comunidade da Vila Mapa, na última segunda-feira (25), é reflexo dessas contradições que a prefeitura e os empresários causam na vida do trabalhador: a população precisou se aglomerar para lutar para que não precise mais, todos os dias, estar amontoada nos ônibus. A manifestação dos moradores da Vila Mapa também significa que a população está atenta às mudanças políticas da cidade em meio à pandemia, e tem uma opinião que há muito tempo não é ouvida pelos gestores.