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Povo sem virtude acaba por escravizar

A escravidão em qualquer tempo histórico precisa ser condenada, em especial a escravidão moderna, que tem um impacto humanitário sem precedentes. Esse combate tem que ser concreto, mas também simbólico e cultural.

O Brasil foi um dos últimos países do mundo a abolir esse regime, sendo a economia brasileira por quase quatro séculos sustentada pelo escravismo e racismo.

Ignorando tudo isso, nossa história oficial é a negação, ora com tentativas de amenizar o holocausto e genocídio negro e indígena, ora culpabiliza as próprias vítimas pelo colonialismo e escravidão. Negam, pois o mito da democracia racial sustenta o mito da meritocracia, um dos pilares discriminantes da sociedade brasileira.

A história precisa ser contada sob o ponto de vista dos negros e negras, que têm suas raízes e sua ancestralidade em uma coletividade que lutou, e continua lutando, contra a escravidão e suas consequências históricas.

Chega de bajular uma narrativa que nada têm a dizer sobre justiça e liberdade! O revoltante episódio da Traição de Porongos (onde os negros foram entregues à morte) e a estrofe do hino rio-grandense refletem uma historiografia de conveniências que se impõem às narrativas e valores civilizatórios de diversos povos originários que também forjam nosso Estado e nossa nação.

O passado histórico de racismo e opressão permanece vivo, não só no hino racista de nosso Estado, mas também se refletindo na estrutura de poder da Câmara de Vereadores em pleno 2021. A polêmica aqui debatida se iniciou na mesma sessão em que todos os vereadores negros eleitos com votações expressivas foram excluídos dos espaços de poder do parlamento de Porto Alegre. Nenhum negro na Mesa Diretora. Nenhuma negra presidindo comissões.

Por fim, com o escárnio racista típico de uma soberba e superioridade ariana, se sentiram extremamente ofendidos por não nos sujeitarmos a cantar “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”: não mais!

Artigo publicado em Zero Hora – 05.01.2021

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Racismo não é opinião, é crime!

Sete de novembro de 2019 foi um dia triste para a história do radialismo brasileiro. De um lado, a agressão física ao jornalista Glenn Greenwald, durante programa ao vivo na Rádio Jovem Pan. De outro, aqui em Porto Alegre, os comentários incisivamente racistas do radialista Rogério Mendelski, envolvendo o nome de Marielle Franco – vereadora do Rio de Janeiro que foi brutalmente assassinada em 2018 – e afirmando que cabelo crespo é horroroso. Tudo ao vivo, em veículos de comunicação que têm um grande
alcance.

Não podemos naturalizar o racismo hegemônico e nem permitir que formadores de opinião pública saiam impunes diante de comentários criminosos. Racismo não é opinião. Racismo é crime. A nota divulgada pelo gerente de Jornalismo da Rádio Guaíba, Nando Gross, é muito pouco diante da gravidade das declarações de Mendelski. Em 2018, o jornalista William Waack foi demitido da Rede Globo ao dizer, em tom de
chacota, que ‘só podia ser preto’. O operador de câmera do programa ‘A Fazenda”, da Record, chamou a ex-miss São Paulo, Sabrina Paiva, de ‘macaca’ e também foi demitido.

Foi explícito, ao vivo e em uma rádio de repercussão estadual. Reflete a velha opinião baseada em um padrão de beleza eurocêntrico que diminui e expressa desprezo à estética negra. Fatos como esse são corriqueiros no Brasil, principalmente pelo processo de escravização que vincula tudo que é negro a significados ruins. Também evidencia o processo de colonização pautado em teorias eugênicas de embranquecimento da população brasileira.

Enquanto mulher negra que sou, que sente a discriminação na pele todos os dias, e como única vereadora negra dessa cidade, de cabelo crespo igual ao da Marielle, me senti desrespeitada por Rogério Mendelslki. Além disso, é extremamente criminoso o pacto racista que permeia o silenciamento sobre a infeliz fala do radialista.

A Rádio Guaíba deveria de forma séria em relação ao ocorrido. Se, como diz a nota publicada por seu gerente de jornalismo, está em seus princípios que a Rádio não aceita de forma alguma manifestações racistas, Mendelski deveria ser demitido imediatamente.

Ao radialista, um recado: tire o seu racismo do caminho que nós iremos passar com a nossa cor, com as nossas tranças e com os nossos cabelos crespos!