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TEMPOS DE CRISE E REORGANIZAÇÃO

Tese ao movimento socialista e ao VII Congresso do PSOL. Contribuição do Coletivo Alicerce

Em memória de Alcino, Miguel e Volmer, aos nossos, nenhum minuto de silêncio, uma vida de lutas .

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O Congresso do PSOL ocorre num momento crítico da história. Disso extraímos a dimensão dos problemas e tarefas a que são chamados quem participa da vida política no país. Salta aos olhos a dura realidade: crise sanitária, desemprego, empobrecimento, inflação, fome, violência, autoritarismo genocida, polarização, corrupção e desesperança generalizada. É necessário conhecer e revelar os dramas sociais e trabalhar para que o sujeito político capaz de os resolver tenha consciência da missão. A crise aproxima tarefas e sujeito, porém, essa ligação orgânica não se dá espontaneamente, mas é resultado de construção e atividade militante. 

Vivendo as dores do novo momento da crise, catalisada pela pandemia, somos tentados a, erroneamente, procurar nela a raiz de nossos problemas. A tragédia, ainda viva, é enorme e não é possível definir o ponto em que o poço para de afundar. O início da vacinação alivia, a lentidão intencional dos governos na sua generalização aflige e revolta. Como estratégia coletiva, a vacina só será eficaz com proporção e velocidade que supere a propagação e mutações do vírus. O espaço para otimismo é pequeno. Mesmo com o possível controle da covid, as principais adversidades que assolam a vida no país vêm de longa data e se acirram a cada manifestação da crise. As condições socioambientais que possibilitaram e conduziram à tragédia estão mais deterioradas e propensas ao adoecimento generalizado. A reversão de nosso destrutivo sentido histórico não virá da “normalidade” anterior.

  • Tempos de Crise

A situação atual se caracteriza e se hierarquiza por uma grave crise estrutural do sistema capitalista. As projeções de médio e longo prazo tornam-se incertas. Não há vislumbre de solução duradoura para os grandes problemas. Humanidade e planeta são arrastados para perto dos limites absolutos da reprodução da vida. O custo de manutenção do capitalismo em crise é enorme e nada mais faz que preparar novos e ainda mais graves espasmos do sistema do capital. 

As reações desencadeadas pela crise de 2008 acentuam as características destrutivas do modo de vidaNa esteira da crise brasileira se expressa a “década mais perdida (2011-2020)”. A melhora em indicadores econômicos entre 2016 e 2020, mobilizadas como argumento de suposta superação da depressão econômica que fez o PIB despencar 15,2%, foi efêmera e artificial. O sentido recessivo além de não inverter os indicadores, não expressam a deterioração das condições de vida, nem captam a metamorfose que resulta da reciclagem da crise. 

Em 2013, a taxa de desemprego no país chegou ao mínimo (4,3%) e, em dois anos (2015), atingiu mais de 10 milhões de trabalhadores (12%) e jamais baixou desse patamar. Em 2020, voltou a crescer e, em 2021, alcançou alarmantes 14,4% da força de trabalho. O sufoco das famílias se agrava, cresce o endividamento. Também o Estado ampliou sua dívida justificando ajustes fiscais. Dos pequenos negócios restou pouco, os sobreviventes sentem a corda no pescoço. 

O aumento generalizado da inflação e de preços, destaque para comida e combustível, aumentou a pobreza e a transferência de riqueza da base para o topo da pirâmide. O acúmulo de mudanças transformou a estrutura e a vida no país. Em 2020, 125 milhões de pessoas solicitaram o Auxílio Emergencial, mas apenas 68 milhões receberam. Mais da metade da população ativa não tem fonte segura de renda básica. 

Reproduzindo em escala ampliada o choque de 2008, 2020 escancarou a crise insolúvel e projeta um futuro ainda mais violento. As receitas administradas na crise são as mesmas com transferências trilionárias de recursos públicos expropriados da sociedade para resgatar capitais em processo de falência nas economias centrais, transferindo o ônus do centro às periferias. Prevalece a “ponte para o futuro”, com reformas expropriadoras de direitos e destruição de forças produtivas. 

A sociedade se decompõe. Inquietações sociais aumentam e se agravam. A tragédia atual, com o evidente desprezo das elites e a impossibilidade de melhoras na vida da maioria, tende a fazer explodir mais e maiores revoltas na próxima década. A ideia absurda do fim da luta de classes, da possibilidade de paz e conciliação entre exploradores e explorados, opressores e oprimidos deveria soar tão estranha quanto o negacionismo e congêneres. 

A crise faz brotar sensivelmente o mal-estar social dos de baixo. Nos andares de cima a disputa se torna mais acirrada e sanguinária. A permanência da crise faz o interesse pela política penetrar mais fundo na vida das massas. As burguesias armadas militarizam as cidades prevendo a inevitabilidade dos conflitos. Interrompem as revoltas sem resolver o que as motivam, como Junho de 2013 no Brasil. As passagens de ônibus seguem aumentando, as cidades estão mais segregadas, escolas e hospitais bem longe do “padrão FIFA”, a corrupção escancarada, o futuro sem perspectivas, enfim, passos a mais rumo à barbárie. 

A dimensão da crise atual só acha paralelo na dos anos 1930. Ao Brasil, porém, importa uma distinção. Se a primeira criou condições e tensionou o desenvolvimento capitalista, produzindo saltos de industrialização, modernidade, urbanização e progresso produtivo, ainda que sob batuta ditatorial, a crise atual, ao contrário, inviabiliza qualquer perspectiva de desenvolvimento. 

Na origem, estão as contradições próprias do sistema. Superprodução e subconsumo, incompatibilidade entre lucros e salários, impossibilidade de converter ganhos de produtividade em liberação de tempo e melhoria de vida, volatilidade do sistema financeiro que desorganiza a economia global. Aqui, a crise pós-2008 se particularizou no esgotamento do Modelo Liberal Periférico que vigorou como substituto à crise do Modelo de Substituição de Importações dos anos 1980, e no consequente abalo da sua forma política, a Nova República. O futuro do país está sendo modelado pela luta de classes do presente.

  • Abalo da Nova República e ascensão Bolsonarista 

Iniciado de forma caótica por Collor e chegando ao ápice de hegemonia no segundo governo Lula, o Modelo Liberal Periférico da Nova República provocou mudanças na condução da nação que possibilitaram, após a “década perdida”, um novo e curto ciclo de acumulação. Na disputa capital x trabalho, a reestruturação produtiva beneficia o primeiro: aumenta o desemprego, rebaixa níveis de vida dos assalariados e enfraquece organizações sindicais e partidárias. O acento da desindustrialização projetou frações financeiras e extrativistas ao comando, subjugando as industriais e mudou a mentalidade empresarial. Na divisão internacional do trabalho, o Brasil se especializou ainda mais na exportação de commodities agro-minerais e na oferta de uma massa de força de trabalho barata consumida pela indústria de serviços terceirizados e precários. Desfazendo qualquer sonho de bem-estar social, o Estado se fortaleceu como centro de gestão dos interesses das elites e fonte de segurança militarizada para seus super-privilégios. 

Na luta política, repercutiu o enfraquecimento geral do movimento de trabalhadores, na medida em que seu principal instrumento, o PT e seus orbitais, passaram por um processo de transformismo e amoldamento ao capitalismo neoliberal, ocupando a ala esquerda da ordem. O resultado mais dramático é o abandono da perspectiva e do trabalho de organização política entre as classes exploradas e oprimidas. 

O modelo liberal mudou, mas não superou as características herdadas do nosso longo passado colonial, patriarcal e escravista. Por vezes aparentando o oposto, a inserção submissa na economia global aumentou a vulnerabilidade e os vínculos de dependência. As margens de manobra, decisão e condução da nação, já baixas, foram reduzidas. A condição dependente e periférica é antes uma relação capitalista moderna padronizada pela superexploração e subordinação, baseada na transferência sistemática de excedentes, criando ambiente privilegiado para o enriquecimento das elites da qual decorre um modelo sub-urbano de organização social. 

A pandemia escancarou os limites do subdesenvolvimento dependente. A incapacidade de produção interna de produtos e processos básicos para enfrentar a crise sanitária e manter mínimos padrões de reprodução social. A desvalorização da moeda estimulou a exportação exploratória, alçando empresas com histórico de destruição, como a Vale e o agronegócio, especialmente o setor da carne e da soja, ao patamar de lideranças. Inibiu e encareceu a importação de produtos fundamentais, sobretudo complexos, como máquinas e implementos tecnológicos, insumos químicos e, mais urgente, a vacina para a Covid. O país ficou e continua atado. 

Nos últimos 40 anos, a economia e sociedade brasileira ficaram mais frágeis e instáveis. Os enormes sacrifícios não sustentam um crescimento consolidado. Quando o fez, nos governos Lula, foi a reboque do desenvolvimento chinês e sua relação com o imperialismo norte-americano. As taxas de crescimento, ancoradas na alta conjuntural de preços das commodities, foram combinadas com a cooptação da luta de classes promovida por um governo de origem popular e trabalhista. O discurso neodesenvolvimentista dos governos petistas era que o projeto seria antagônico ao neoliberalismo e deixaria para trás o subdesenvolvimento. A crise se avizinhava e assim que chegou desfez as ilusões. 

Apesar do crescimento econômico, de momentos de redução relativa da pobreza, da modernização importada, não resolvemos problemas básicos da sociedade, como saneamento básico, mobilidade, educação e saúde, moradia, condições protegidas de trabalho. Ou ainda, problemas jamais erradicados: fome, analfabetismo, trabalho escravo e infantil, violência policial, morte por doenças curáveis, racismo, feminicído, lgbtfobia e outras tantas expressões da opressão estrutural e genocida do Estado brasileiro. 

Os problemas nacionais extrapolam os governos. Não significa que o comando não faça diferença, mas que acumulamos questões não resolvidas desde a formação. O tipo de colonização e evolução fraturou o país num abismo social e racial que repercute ainda hoje. Mesmo entre as “grandes” economias mundiais, ocupamos os últimos lugares em igualdade, justiça e desenvolvimento social. Mais do que distribuição da renda, há problemas de fundo ainda sem solução. Aliás, na raiz da polarização política atual, está justamente o modelo de distribuição de renda aplicado na Nova República, mais amplamente, nos governos PT. Ao não tocar nos fundamentos e menos ainda no patrimônio e nos privilégios das grandes elites, o alívio à pobreza, bastante frágil e modesto, se deu às custas do empobrecimento da pequena burguesia e dos setores médios. O desesperado movimento de massas desse setor em oposição ao petismo foi o golpe final para o impeachment de um governo já sem sustentação popular. 

Antes de ser responsável pela crise, Bolsonaro é seu produto. A Nova República não confirmou as expectativas. Ainda na transição, Florestan Fernandes alertava para os limites da institucionalidade: 

(…) o Estado democrático existente tem de destruir o movimento operário ou, pelo menos, impedir que ele lute por seus objetivos históricos centrais, porque a democracia burguesa não é bastante forte para conter os antagonismos gerados pela produção capitalista e pelo desenvolvimento do capitalismo. 

Pactuada pelo alto, sem rupturas, e pressionada pelos movimentos de bandeiras democráticas e sociais, a Nova República encontrou seu ponto de equilíbrio na constituição de 1988 e no plano Real. Os polos da ordem, PT e PSDB, alternaram-se no poder, compartilhando-o com os setores fisiológicos da política tradicional, reproduzindo alianças e práticas de corrupção sistêmicas. Aprofundaram o neoliberalismo, a desindustrialização, a reversão neocolonial, a dependência de capitais e mercadorias importadas, o reinado destrutivo do agronegócio e da mineração, da construção civil e dos negócios ilegais. Operaram rodadas de modernização sem desenvolvimento, sem priorizar educação, elevação cultural, iniciativa e criatividade popular. Alargaram o abismo e a segregação. 

As contradições acumuladas ao combinarem com a crise global de 2008, fizeram a Nova República caducar como forma de dominação e reprodução do capitalismo brasileiro e entrar num traumático processo de desintegração. Estamos num daqueles momentos, como caracterizou Gramsci, “no fato de que o velho morre e o novo não pode nascer: neste interregno se verificam os fenômenos mórbidos mais variados”. 

Bolsonaro e seu movimento – sustentado nos setores reacionários de elites do judiciário, igrejas evangélicas, forças armadas, milícias, corjas do sistema financeiro – mais que produto apenas do golpe e de uma onda conservadora, são um desses sintomas mórbidos. Encarnam o processo de apodrecimento da república. A depender, pode ser um primeiro estágio da mudança de qualidade na condução dos conflitos políticos, apontando para regimes de autoritarismo e barbárie. 

No guarda-chuva do antipetismo e das reformas, Bolsonaro conseguiu concentrar boa parte da elite brasileira. Aparecendo como outsider do regime e representante da moral, da ordem, da família e dos bons costumes, cativou também setores da classe trabalhadora, que viram nele esperança de mudar as coisas. Apesar de manter uma base de sustentação relativamente estável e militante, pouco a pouco, a máscara cai. Diferente do que muitos imaginaram, o atual governo não teve sossego. Todas as ações encontraram resistência e geraram mobilização e protestos de rua. #ForaBolsonaro foi palavra de ordem comum e recorrente. 

Por sua forma e essência, o bolsonarismo é incapaz de produzir consensos e estabilidade. É antes um gerador de confusão e desmoralização do que resta da República. Paralisado na tarefa a ele ordenada de levar adiante contrarreformas, inevitavelmente a base que o elegeu vai se esfacelando, atraindo o que tem de pior, e também afastando setores que percebem a possibilidade de naufrágio. A gestão catastrófica da crise atual o levou à beira do impeachment. Porém, procurando alternativa viável, às elites testam novas figuras, como Dória e Huck, e mantém Bolsonaro na mesa, ao reintroduzir a principal peça do jogo da pequena política no Brasil, o ex-presidente e principal figura popular, Lula. Numa manga a opção do esmagamento autoritário em caso de necessidade, na outra, conciliação e cooptação lulista. 

Na falta de alternativa, a permanência da crise tende a bloquear a via pacífica e induzir ao autoritarismo, tanto de Estado quanto paralelo. Urge a tarefa de derrotar o bolsonarismo e denunciar seu caráter antidemocrático, antinacional e antipopular, características que, por sinal, permitiu sua identificação com as tradicionais elites coloniais. Tarefa que exige combinação de unidade de ação ampla com todos os setores descontentes, e construção de política, programa e organização independente com aquele que é o único setor capaz de nessa luta realmente mudar as coisas, a classe trabalhadora, em sentido amplo, sua juventude, desempregados, famintos, explorados, oprimidos e marginalizados do sistema.

  • Tempos de Resistência e Reorganização 

Se o quadro geral é preocupante, mais emblemática é a forma como as forças políticas rapidamente naturalizam e se adaptam ao modus operandi do capitalismo em crise. Mantém a expectativa de retorno à normalidade do sistema. Abre-se a lacuna entre a necessidade de transformação profunda e a incapacidade de realizá-la por parte das classes e forças políticas revolucionárias. 

Internalizamos, como sociedade, a ideologia de fim da história, do “triunfo” capitalista e da impossibilidade de alternativas. Temas fundamentais como exploração e propriedade, reforma agrária e urbana, socialismo e democracia proletária, colapso ambiental, democratização da mídia, dívida pública, industrialização e questão nacional ficam à parte nas discussões da esquerda, ou aparecem de modo acadêmico marginal, com pouca consequência prática. Os sindicatos em crise com as mudanças no mundo do trabalho reagem mal às novas configurações da classe, fechando-se em círculos burocráticos e corporativos. Setores oprimidos, bombardeados pelas ideologias comportamentais, têm dificuldade em ampliar a denúncia específica para as causas estruturais e as relações substanciais entre classe, sexualidade, gênero, raça e etnia. Na ausência de alternativa de classe e de movimento crítico de massas, a síntese não ocorre e as energias refluem. As lutas, revoltas, pautas e movimentos dispersos produzem matéria prima complexa para os projetos em disputa. 

A visão política limitada aos contornos da democracia e da sociedade burguesa esteriliza a construção do novo. Abandona-se o debate, o ato de sonhar e, mais grave, de construir na base e propagar na sociedade ideias revolucionárias e socialistas. Internalizamos a marginalização. Quando aparecem oportunidades, sequer as vemos. A classe é culpada por não confiar nos partidos. O povo, taxado de burro e de direita. O trabalho fundamental de disputar consciência, animar e mostrar que um futuro melhor é possível não é feito. A força de mudança é desmobilizada ou canalizada contra si. 

As jornadas de junho de 2013 evidenciaram que o pacto social e o modelo neoliberal haviam chegado a um estágio crítico e irreversível. As massas foram às ruas para cobrar o cumprimento das promessas justamente quando as bases materiais estavam corroídas. Evidenciaram a profunda desconfiança e deslegitimidade para com as instituições da República. Praticamente nenhuma parte do regime ficou imune à crítica popular. Partidos, sindicatos, lideranças, parlamentos e governos foram responsabilizados pela crise, pela corrupção e pela omissão diante dos problemas. 

Desde lá, o país entrou numa espiral que reforça essa dinâmica. O agravamento da crise levou à recessão. Aumentou a pressão sobre o governo petista para acelerar a realização dos ajustes e reformas antipopulares. A urgência exigia rupturas. A impossibilidade de resolver essa contradição e a perda de controle das ruas e do movimento de massas no país, característica distintiva do PT, levou o governo Dilma à paralisia e ao impeachment. Assim, a derrubada do governo através do golpe foi, em última instância, a derrubada do arranjo político que deu estabilidade à Nova República e o impulso necessário para o desmanche posterior. 

Embora haja consenso entre os capitalistas em torno da destruição de direitos sociais e trabalhistas, fato é que a implementação das reformas reduz os meios de funcionamento da economia, como o consumo das famílias, o desenvolvimento regional e o investimento público, por exemplo, o que conduz a conflitos e disputas entre as frações da burguesia. 

Assim, a impossibilidade de manter o ritmo gradual das reformas, a disputa mais acirrada entre as frações da burguesia e o desarranjo político demonstram que as bases da Nova República foram irreversivelmente abaladas. A instabilidade do regime abriu um período de disputa de projetos, de reorganização política e econômica, cujo sentido e direção não estão definidos.

  • Tempos de Barbárie ou Revolução

Se, por um lado, a intensificação da crise recoloca a barbárie e a destruição, por outro, repõem como questão latente a transformação revolucionária de toda a sociedade. O dilema do período é o enorme descompasso entre a urgência das tarefas necessárias para resolver os grandes problemas sociais e o atraso na consciência dos sujeitos capazes de realizá-las. 

“A necessidade de uma transformação pode estar madura, mas a força dos sujeitos revolucionários de dita transformação pode resultar inadequada para lográ-la. Nessas condições, a sociedade apodrece e a sua putrefação pode durar décadas inteiras”. Lenin 

Antes de tomar o poder em suas próprias mãos para resolver seus próprios problemas, a classe irá esgotar todas as possibilidades dentro da ordem. A esperança em Bolsonaro dá mostra da diversidade de experiências necessárias à conclusão de que o povo tem a força e apenas sua ação revolucionária é capaz de reverter o apodrecimento social. 

O grau de ataques e a subserviência do atual governo inquietam até mesmo setores da elite e das camadas médias nacionais. A urgência em frear e resistir aos golpes induz à tarefa de construir amplas unidades. Se o bolsonarismo representa risco imediato, não podemos ignorar que risco maior representa o abandono da independência e dos interesses específicos dos trabalhadores. Em momento algum devemos cessar de desenvolver a consciência de classe, de apontar as contradições fundamentais da sociedade, os interesses irreconciliáveis, de estimular a confiança do povo em suas próprias mãos. 

Todo atraso nessa tarefa cobra seu preço. Nos governos petistas, o movimento socialista não foi capaz de prever e construir alternativa à sua crise. Quando Junho aconteceu pegou a esquerda de surpresa, incapaz de influenciar nos rumos do movimento de massas. O processo em seguida não foi diferente. A iniciativa continua nas mãos da extrema direita com seus traços autoritários e neofascistas.  

O abandono da organização política nas massas, acentuado com a chegada do PT ao poder, criou espaço para o crescimento enraizado de instituições privadas. Igrejas, ONGs, milícias e facções ampliaram a inserção nas classes populares educando-as política e moralmente, moldando valores, ideias e práticas coletivas. A esquerda marginalizada, com raras exceções, não foi capaz de ocupar esse espaço. A ascensão e queda do petismo coloca na ordem do dia as tarefas de reorganização e reinvenção da esquerda.

  • Reorganizar é Superar e Reinventar

O PSOL como alternativa eleitoral à esquerda do PT vem ganhando espaço e autoridade. Cumpre papel também ao evitar a completa dispersão da esquerda. Porém, é preciso mais para reverter os rumos do país. A característica do petismo em se manter nos marcos da ordem capitalista, como ala esquerda da gestão, atrasa a construção de alternativas. Apesar de recompor parte de suas forças após 2016 e se alçar como alternativa diante da falta de alternativa, o PT não possui condição nem vitalidade necessária para educar uma geração militante capaz de mudar o país. Embaixo, nos jovens, no precariado, a velha política encontra cada vez menos eco. O mais-do-mesmo gera desconfiança e indiferença. 

 De forma alguma a unidade deve anular a tarefa de reorganização política do povo, sobretudo seu setor mais dinâmico. Reorganizar significa criticar para se reinventar. É preciso superar a práxis e o programa herdado do petismo, valorizando seu impulso inicial que educou uma geração para a luta, mas criticar seu transformismo em partido da ordem e o legado de uma práxis burocrática, sectária e elitista, que aposta todas as fichas na institucionalidade burguesa. 

Precisamos nos reeducar como tribunos do povo que sentem na própria face o tapa dado na de qualquer oprimido. Nos formar sobre valores de humildade e aprendizado permanente. Fazer política de diálogo com as massas no dia a dia, não apenas nos períodos eleitorais. Apostar na organização e na resistência secular do nosso povo. 

É pouco provável que a combinação de crises se resolva a curto prazo. É preciso avançar na construção de um programa alternativo, retomando e fazendo avançar o pensamento crítico brasileiro. Nos debruçarmos sobre os reais problemas que afetam a maioria, explicar e criticar suas relações e contradições. Romper com o subdesenvolvimento, a dependência, com os interesses do imperialismo e com os interesses das elites nativas. Criticar a tentativa de repetir padrões de vida do centro capitalista. Superar a imitação cultural e econômica, valorizando o potencial brasileiro. Colocar no centro da luta a superação da segregação social e racial que fratura o país em ilhas de luxo rodeadas de oceanos de pobreza, sufoco e violência. Dar basta à expropriação da vida de mulheres e LGBTs e a existências condenadas à dupla jornada e menores salários, sem direito à segurança nas ruas e nas próprias famílias. Interromper o extermínio nos campos e florestas e inverter a lógica que orienta a devastação econômica do negócio agro-mineral exportador para a produção de alimentos saudáveis e abundantes e o desenvolvimento de biotecnologias voltadas para as necessidades do povo. Colocar em foco a questão urbana com todos os seus problemas que fazem da vida nas cidades um verdadeiro inferno. 

As elites nativas, mesmo com seus interesses em conflito com o imperialismo, sempre optam pela via do esmagamento interno. Não ousam enriquecer desenvolvendo a nação. Ao contrário, sua riqueza deriva da relação com a pobreza. Tolhem a capacidade criativa e o potencial interno. Reproduzem desigualdades e fetiches pelas mercadorias e pelo modelo importado de vida. Lutam contra o povo para manter sua posição de sócia menor do grande capital. 

As tarefas e esperanças são empurradas para o colo do povo batalhador. Apenas este tem disposição para levar adiante os interesses de desenvolvimento e independência, interesses democráticos e sociais. Apenas os trabalhadores podem romper as amarras e modernizar o país com base na difusão da ciência e tecnologia e do conhecimento popular existente, produzir processos dinâmicos capazes de movimentar as forças subutilizadas e descartadas, como a imensa maioria da juventude trabalhadora, e animar o país a resolver seus problemas fundamentais garantindo trabalho, direitos sociais e vida digna a todos. 

Tais tarefas não serão negociadas. Exigem golpes sucessivos de força para quebrar a resistência dos de cima. Há dois caminhos para a resolução da crise. Ou uma revolução que inverta a direção do país e permita um novo marco na evolução social, ou um aprofundamento drástico da barbárie a níveis desconhecidos. Bolsonaro talvez seja apenas o primeiro e não mais perigoso dos fenômenos possíveis sob a segunda opção. É melhor considerarmos seriamente, contra tudo que foi dito nos últimos 30 anos, a via revolucionária para a nação.

  • As tarefas do PSOL 

As eleições de 2020 coincidiram com uma breve estabilização da primeira onda da pandemia no país subestimando a gravidade da situação. A derrota dos candidatos diretamente vinculados à família Bolsonaro, a estagnação do petismo, o importante mas pequeno crescimento do PSOL, logo deu margem ao discurso de fim da crise política e retorno à normalidade a partir da contenção dos excessos pela vitória dos setores tradicionais. A realização das eleições nas condições dadas foi uma vitória da burguesia, que conseguiu canalizar os potenciais explosivos da situação para a sua institucionalidade. Mas nem de longe estabilizam ou dão nova vida à República. 

Deixaram pistas, como as fragilidades do bolsonarismo, o grau de elasticidade institucional capaz de acomodar diferentes setores e o real espaço para intervenção e mudança através do caminho eleitoral. 

Na esquerda, a chegada ao 2º turno em importantes capitais, como Porto Alegre e São Paulo, a ampliação da representação parlamentar, com votações expressivas de setores historicamente excluídos dos espaços de representação – mulheres, negras, LGBTs – produziu otimismo compreensível, mas pouco realista com a dimensão da crise. Retrato disso, o assassinato de Beto, em Porto Alegre, homem negro, morto por seguranças do Carrefour, na véspera do dia da consciência negra e logo após a cidade ter eleito a sua maior bancada negra da história. 

O processo anterior deve nos ajudar a olhar para os que virão. Antes da próxima eleição, ainda vamos nos defrontar com toda a instabilidade da crise sanitária e as consequências da crise social. As estreitas campanhas políticas protagonizadas nos últimos tempos, sempre às voltas com o destino de Lula e do PT, não produziram respostas capazes de viabilizar alternativa para a maior crise já vivida. 

Compreendemos e exercitamos em nosso cotidiano a necessidade da unidade para enfrentar os ataques e derrotar a extrema direita. Essa unidade tem que se dar com base em um programa que tenha centralidade na defesa dos direitos e vida digna. Para além da denúncia dos absurdos do governo, deve expor o caráter de classe das medidas. Deve resultar de processos democráticos e de ampla mobilização. Unidades reais não saem de decisões de cúpulas. Aceitar essa lógica de definições é se colocar a reboque. 

Do ponto de vista do PSOL, não se pode descartar os treze anos de oposição crítica aos governos petistas. Unidade não pode significar homogeneização e enquadramento da política e das organizações. Nossa política deve ser apresentada de forma independente e se diferenciar pelos acúmulos que o partido e a classe tiveram nas experiências recentes e históricas. Reforçar a construção do partido e apostar na formação de figuras próprias que expressem a política coletiva. Não devemos descartar a priori construir a unidade, mas é necessário frisar esses elementos, pois está em curso uma aproximação acrítica do PSOL em direção ao PT, colocando em risco o próprio projeto do PSOL como parte da construção de uma alternativa política que supere os limites do reformismo burocrático. A soltura de Lula reforça essa tendência. 

Também não podemos considerar natural que parlamentares e líderes nacionais não dialoguem com diretórios. Que instâncias e setoriais funcionem apenas em períodos eleitorais. É grave a tendência a secundarizar ou interromper o debate político quando o principal desafio é construir um novo programa. O discurso pragmático que coloca em primeiro plano a unidade, trata na realidade, de usar a base do partido para legitimar negociações de cúpula. Essa prática é incompatível com a reorganização e a construção de um novo projeto. 

Nas batalhas que virão, é necessário fortalecer as lutas, apostar na indignação e contribuir para a organização por baixo, via agitação de massas e trabalho de base, orgânico e permanente, aproveitando os relampejos da luta de classes para avançarmos na construção de uma alternativa política do Povo que Batalha. 

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3 respostas em “TEMPOS DE CRISE E REORGANIZAÇÃO”

A volta do Lula à disputa eleitoral, sendo candidato ou não..será uma porta aberta para que o Psol se afirme como alternativa de esquerda..e mesmo que o Brasil tenha vivido os seus melhores momentos Pós Ditadura..é verdade que houveram conchavos políticos.. mas nada se compara com o Governo genocida e autoritário do Bolsonaro.

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