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Capitalismo de desastre e sua crise terminal

Em Ohio, nos Estados Unidos, um trem carregado de produtos altamente tóxicos descarrila e explode, contaminando uma área gigantesca. O fato ocorrido há dias foi ocultado propositalmente pelo governo americano. Há anos os trabalhadores das ferrovias alertavam para a precarização da estrutura e das condições de trabalho. Há uma semana, na Turquia e na Síria um terremoto devastou cidades inteiras e o número de mortes, ainda incalculável, já passa de 40 mil. Milhares de prédios desabaram não pela gravidade do tremor, mas pela péssima qualidade de sua construção, que é o padrão entre as grandes corporações empreiteiras no mundo inteiro para alavancar os lucros reduzindo os custos com a utilização de materiais frágeis e processos mal feitos.

Esses dois casos são alarmantes e inacreditavelmente tendem a ser esquecidos logo ali na frente. Na atual fase do capitalismo, o desastre e a destruição se tornarem a regra, o modus operandi do sistema que, não bastasse o estrago, ainda vê na catástrofe uma oportunidade de negócio. Foi assim com a pandemia, com as guerras, com os desmatamentos e queimadas, com o rompimento de barragens. Pra não falar da crise humanitária provocada pela substituição gigantesca de trabalho humano por máquinas, que joga praticamente 1/3 da humanidade para o desemprego e o restante para ocupações precárias e informais, de baixa remuneração e altos índices de adoecimento físico e mental.

A crise atual certamente não é conjuntural, não vai passar com mais capitalismo. Talvez não seja nem mesmo estrutural, mas terminal. Os limites para a reprodução da vida, sobretudo a vida humana, estão ativados. A tendência do capital de destruir suas duas únicas fontes de riqueza e reprodução, a natureza e o trabalho, se confirmou. Já não é só uma tendência, é o caminho sem volta pra esse sistema.

Ou o capitalismo será superado, com a criação de novas relações entre os seres humanos, e destes com seu próprio trabalho, com seu tempo, sua vida e com a natureza que os rodeia, ou a barbárie dos dias atuais se arrastará engolindo o que ainda resta de civilização. As tragédias e as crises anunciam a necessidade e a possibilidade da mudança radical. Os que lucram com a destruição já estão a postos para fazer o moinho girar mais uma vez. A salvação não virá de cima. Depende dos de baixo achar um caminho, uma saída pra esse beco sem saída que o capitalismo nos enfiou.

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A crise da juventude e a falta de perspectiva no futuro

Faço parte de uma geração de trabalhadores que foi organizada por um projeto de ascensão social via educação. Cresci dentro de uma família negra e de origem pobre, que via no estudo e no concurso público a maneira mais efetiva de alcançar melhores condições de vida, direitos e status. 

O esforço que fizeram para me colocar em um colégio particular, onde tive no máximo 3 colegas negros, era fruto dessa visão e uma tentativa de fugir do contexto que atravessa as escolas da periferia. 

Um pensamento que decorria de uma reflexão coletiva que teve início na criação da Frente Negra Brasileira, em 1930 – que visava estratégias para possibilitar acesso à educação técnica e moral dos ex-escravizados com o objetivo de integrá-los à sociedade capitalista. E que reapareceu nos anos 80 com a criação do Movimento Negro Unificado e a consolidação da bandeira histórica das Ações Afirmativas dentro das universidades, através das cotas. 

Meu ingresso na UFRGS, junto com a minha irmã, ocorreu em 2007, antes da Universidade aderir ao sistema de reserva de vagas para estudantes negros. Os primeiros estudantes cotistas começaram a entrar a partir de 2008 e pouco a pouco foi mudando o perfil dessa instituição. Foi nesse espaço e contexto que nós duas nos tornamos atuantes nas lutas sociais, no movimento estudantil e no movimento negro.

Minha irmã mais nova não teve a mesma sorte. Depois de algumas tentativas no vestibular de um curso mais concorrido, foi cursá-lo em uma Universidade privada. Somando os valores pagos mensalmente pela nossa família, o custo final do curso foi o de um apartamento popular. As amigas que ‘cresceram junto’ com ela entraram no ensino superior via ProUni, tendo que financiar valores similares para poderem obter o tão esperado diploma! 

Eu e minhas irmãs somos frutos dessa geração que por vivência própria aprendeu que se estudasse bastante, entrasse numa universidade, e passasse num concurso público teria melhores condições de vida que seus pais e avós.

Esse projeto se concretizou pela metade para os que entraram de cabeça nesse sonho. Hoje temos engenheiros, pedagogos, arquitetos, internacionalistas, trabalhando em qualquer coisa, menos em sua área. E os que passaram num concurso público, sentem na pele o preço do ajuste fiscal.

E essa é a atual crise da juventude: a falta de perspectiva no futuro, pois o que planejaram para nós está se desfacelando. Não teve base concreta para se realizar massivamente dentro dos arranjos políticos e econômicos que eram feitos.