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POR UM PSOL QUE PENSE GRANDEPOR UM PSOL QUE LUTE PELO PODER

Tese do Alicerce ao 8o Congresso do PSOL

“Eu tô falando pro futuro! Não tô falando nem pro presente horrível que nós temos, nem pro passado. […] pensem grande. Não pensem pequeno. Não acreditem no impossível. O impossível torna-se possível se você quiser. Ele vira possível. É preciso é coragem. É preciso é tenacidade. É preciso é força! E é preciso não esconder a realidade. Não ter medo dela.
É preciso falar as coisas como elas são.”
Plínio de Arruda Sampaio (Candidato a presidente pelo PSOL em 2010)

A crise carrega perigos e oportunidades. O PSOL se vê diante de uma encruzilhada. Qual caminho seguir? O dilema não é novo e ganha significado essencial nesse Congresso. Sem firmeza política e programática, o projeto do PSOL corre risco de sucumbir sob a pressão exercida pela extrema direita e a atração provocada pela esquerda do regime. Trata-se da razão de sua criação e existência. Avançaremos na construção original de uma estratégia de poder ao povo trabalhador e seremos instrumento de transformação anticapitalista, anti-imperialista, socialista e democrática? Ou viveremos como mais um dos muitos partidos vegetativos do Estado brasileiro? A diferença entre caminhos é gritante, mas na prática e no presente as coisas não são tão simples assim.


Precisamos fazer do Congresso um momento de profunda reflexão e debate sério sobre o rumo a tomar. Precisa permear a vida e a base do partido. Cada militante, cada ativista, cada filiado deve ser convidado a intervir sobre o que está em jogo, o futuro do PSOL! Essa tese é uma contribuição ao debate, um chamado a pensarmos grande!

PSOL na encruzilhada


A inédita conjuntura de 2023 complexificou as tarefas e o processo de reorganização. O governo eleito sob promessas para angariar apoio popular, mesmo que implemente políticas para mitigar a crise para o povo trabalhador, não a resolve. Administra o Estado para atender os interesses da burguesia. Nem por isso deixa de sofrer o ataque da extrema direita, que não pode se contentar com o neoliberalismo republicano. São pessoas que, para sobreviver à crise, dependem de um Estado autoritário para defender a concorrência, a exploração, a livre destruição.


Não podemos titubear! Diante de qualquer ameaça vinda da extrema direita às parcas liberdades democráticas ou ao governo Lula, devemos combater em unidade com todas as forças democráticas. Foi o que tentamos com as campanhas contra o golpe, o Fora Temer e o Fora Bolsonaro, muitas vezes enfrentando o freio de mão petista.

Não fazemos coro com os defensores do regime e do Estado burguês. Sabemos bem como funciona a democracia nas periferias. Denunciamos seu caráter racista e sua blindagem aos interesses da maioria. Mas as coisas precisam ser combinadas. Temos hoje direitos democráticos a serem defendidos como pressuposto da construção de uma alternativa antirregime, uma verdadeira democracia.


A necessidade de unidade carrega também uma armadilha. Na sanha de enfrentar o golpismo, corremos o risco de transformar o PSOL em ala esquerda do regime, de aderir ao programa social liberal, de assumir o papel de conselheiros de Lula e substituir a práxis militante por uma atividade burocrática, institucional, que obstrui o caminho da luta por transformações anticapitalistas.


Como nós, muitos veem com preocupação a Federação com a Rede e a aproximação ao PT e seu governo. O que dá base para essa aproximação é uma combinação da pressão exercida pela direita e da ideia, em nossa opinião, equivocada de que o Programa Democrático e Popular não foi realizado ou foi traído e abandonado. A tarefa consiste justamente em superar o PDP na prática e na teoria, o que exige esforço de compreensão e intervenção revolucionária na realidade.


A perda de independência é ao mesmo tempo uma perda de identidade e de projeto. Sem que se mire na necessidade de construção de uma nova referência política e programática para a classe trabalhadora, o futuro do PSOL está ameaçado. Ainda que cresça eleitoralmente, pode ter uma
existência vegetativa no sistema.


Basta lembrar da disputa aberta em Junho de 2013 para dimensionar o problema. A incerteza econômica e a instabilidade política tendem a produzir novas rebeliões de massas. Enquanto a extrema direita protagonizou e dirigiu mobilizações na rua e ações radicalizadas, Lula e o PT dão mostras de que atuam como freio das lutas. A rua para eles deve ser ocupada o mínimo possível, a batalha deve ficar nos marcos da ordem, controlada, para não prejudicar a governabilidade. É uma receita perigosa. A desmobilização do #ForaBolsonaro por pouco não acabou em derrota.


O resultado desastroso da política de apassivamento é o desarme da classe justamente quando é preciso se preparar para uma batalha inevitável.

3 Caminhos que devemos evitar


Todos os caminhos são legítimos e aqueles que lutam por um PSOL à altura dos desafios precisam estar dispostos ao debate sério, tendo como pressuposto a responsabilidade com a luta de classes.


O mais óbvio atalho a se evitar é o aprofundamento da linha da atual direção, pelos motivos já discutidos. No entanto, não é só isso que pode esterilizar nossa atuação e atrasar a reorganização.


No polo oposto corremos o risco de deslizar para uma oposição principista, que desconsidera o processo de consciência e as experiências com o governo. Que subestima a ameaça da extrema direita e a importância da unidade em defesa da democracia. Lamentamos a saída do PSOL de valorosas correntes e militantes que optaram por esse caminho. Mais lamentável ainda é a comemoração da direção com esse processo que enfraquece o partido.


O terceiro caminho é aquele que, reconhecendo a encalacrada da conjuntura, contenta-se com o papel de conselheiro do governo, reivindicando os pontos positivos, apontando os negativos e sugerindo correções que jamais serão acatadas. Restringe-se a uma oposição comentarista, sem de fato enfrentar o que precisa ser enfrentado com mobilização de rua e protagonismo popular.


A discussão sobre a relação do PSOL com governo não pode se findar com a resolução do diretório que libera os militantes para entrarem no governo desde que não tenham cargo na direção. Na prática, coloca o partido na base do governo. Esse congresso precisa se posicionar ostensivamente pela independência.

O caminho a seguir: PSOL anticapitalista, anti-imperialista, socialista e democrático


Com o tempo, o debate estratégico que animou a fundação do PSOL foi amornando sem se consolidar uma perspectiva sobre as contradições e dinâmicas que poderiam colocar o país no caminho do socialismo e da liberdade. Esfriou também o debate sobre as tarefas do partido na luta
pelo poder.


Os tempos, porém, clamam por transformação. Nas mãos das forças autoritárias a selvageria da concorrência correrá sem limites, generalizando em todos os níveis a barbárie que vivemos, da economia à cultura, à política, à linguagem. Nos braços de uma espécie de déspotas esclarecidos do social liberalismo, que tentam frear e compensar as consequências destrutivas do capital, talvez vivamos momentaneamente uma barbárie mais refinada, educada, com discursos humanitários e ecológicos, mas nem de longe suficientes para nos salvar da catástrofe iminente.


Melhorismo não basta! Precisamos resgatar valores e atitudes que eduquem militantes para se sintonizar com o que tem de novo e superador na realidade e reafirmar aprendizados de nossa classe. A mudança vem de baixo, do protagonismo do povo trabalhador, das medidas de transição
que atraiam a atenção e os interesses da maioria, da derrubada do Estado burguês e da reeducação política capaz de fazer frente ao bombardeio ideológico e comportamental do neoliberalismo e sua máxima de que “não há alternativas”. Sempre há.


As atuais condições não são sustentáveis. Mais dia menos dia, a panela de pressão explode. Qual será o papel do PSOL nesse momento? Teremos construído uma corrente de pensamento e ação na sociedade capaz de disputar algo como Junho de 2013 e conduzi-lo para algo construtivo? Agarraremos a luta por emprego e vida digna, por transporte, saúde, educação, por direitos básicos, que ninguém ousa levar às últimas consequências?


A crise faz ressurgir debates sobre alternativas de sociedade. O nazifascismo vem crescendo com menos constrangimento. Até mesmo o comunismo autoritário, stalinista, voltou a encontrar audiência. A neocapitalista China aparece como arremedo de socialismo.

A superação da crise coloca a disruptiva; socialismo ou barbárie?! Tanto é, que a extrema direita se apresenta disposta a reorganizar a sociedade sob valores reacionários e a ir às últimas consequências. Impunham a bandeira contra as elites e o sistema. Acusam de comunismo ou socialismo toda e qualquer iniciativa humanitária, reformista, de controle dos excessos do
capitalismo. Justificam a crise civilizatória como produto do que tentou controlar o capital, quando na verdade é o contrário.


O PSOL precisa erguer alto e firme suas bandeiras. Muito além de vagas nas instituições ou governos, o poder que devemos disputar está nas ruas, nas paradas de ônibus, nas fábricas, nas oficinas, nas cozinhas, pedalando, nas escolas, nos bairros e periferias – onde estiver o povo trabalhador na sua batalha diária, é ali que estará o poder, é ali que devemos estar.


Em conexão com as massas e com política de mobilização, educação e organização permanente podemos aproveitar a oportunidade que a crise nos abre.

Uma crise permanente


O capitalismo neoliberal esgotou enquanto alternativa de sobrevida para acumulação de capital. Em crise desde 2008, arrasta-se em dinâmica destrutiva. De epidemias silenciosas que arrancaram parte da alegria de viver a uma pandemia global, cujas causas socioambientais permanecem inalteradas. De conflitos locais à guerra na Ucrânia e ao acirramento das disputas geopolíticas entre EUA e China que podem conduzir o mundo a uma catástrofe sem precedentes. Do salto tecnológico à devastação de biomas e florestas que ameaçam a continuidade de formas de vida complexas, sobretudo animais de grande porte, como nós. Nas grandes cidades, concentradoras e geradoras de frustração e violência, predominam o desemprego e precarização do trabalho, que transformam centenas de milhares de pessoas em descartáveis, acirrando os problemas da vida social.


Estas violências, que combinam superexploração da força trabalho, espoliação, expropriação e opressões atingem brutalmente nossas vidas. Cresce a violência contra mulheres para além da dupla (às vezes tripla) jornada e menores salários, sem direito à segurança nas ruas e nas próprias famílias. Precisamos reagir como classe a essa insistência em desconstituir o ser social pela sua condição de mulher, negro/negra, indígena, LGBTQIA+, pessoa com deficiência, pessoa em situação de rua, pessoas vindas de outras regiões/países. É necessário buscar formas que nos acolham e não nos dividam!


Na dimensão subjetiva, a crise se dramatiza na perda de sentido na vida e na falta de perspectivas para a juventude, que tornam o futuro pouco animador. Ninguém sinceramente espera viver muito melhor amanhã. Salários menores, empregos dignos mais raros e disputados, inflação devorando o consumo das famílias e inviabilizando a possibilidade de sonhar. Praticamente ninguém pode ter real propriedade sobre os meios de estruturar e dar base para uma nova vida.


Sob a lógica da propriedade privada, do domínio oligopólio das big techs e dos conglomerados financeiros, a sociedade que evoluiu sobre o mito do empreendedorismo, da liberdade sem desordem, do bem-estar sem servidão produziu na realidade o seu oposto. Para a maioria é quase impossível sobreviver, quem dirá empreender. A servidão virou um privilégio. As relações são tão precárias que desordenam a sociedade.


Nada indica reversão dessa tendência destrutiva. Com governo algum se vê mudança significativa. A burguesia é impotente frente a impossibilidade de criar espaço suficiente para valorização do capital sobreacumulado. Todas as receitas vão na mesma direção; empurrar o problema para a frente
sem achar solução. No Brasil não é diferente. Somos um país comandado por uma elite colonial. Como nação, jamais superamos o subdesenvolvimento e a dependência.

Alívio Imediato


A crise amplia gargalos para o desenvolvimento do país e a dominação da Nova República. A ameaça ao status de diversos setores gera disputa política. Disputa cujo protagonismo tem sido da extrema direita, que conseguiu apresentar uma visão alternativa para os setores da pequena
burguesia e da classe média, desesperadas com a proletarização e a perda de privilégios, e para setores da classe trabalhadora que só veem possibilidade na lei da selva.


No processo da crise, Bolsonaro escalou ao poder contrariando interesses das frações tradicionalmente dominantes. Na presidência, relutou em ser controlado. Se dispõe a radicalizar a política apelando à rua, empunhando inclusive bandeiras antissistema abandonas pela esquerda. Ocupa um espaço que poderia ser nosso. Além de incapaz, Bolsonaro se mostrou perigoso. Daí as diversas manobras do regime para controlá-lo e buscar uma alternativa confiável aos de cima.


O papel do PSOL na derrota eleitoral de Bolsonaro, apoiando a campanha Lula, foi um acerto a ser reconhecido. A vitória trouxe a sensação de alívio diante da tragédia que seria uma reeleição. A força dessa tendência, no entanto, não está só no governo. Bolsonaro não brotou do nada, mas da
sociedade que evoluiu sem resolver problemas históricos e que manteve na exclusão uma parcela enorme da população. É um sintoma, não a causa.


Sem alterações no ambiente social, sem transformações na dinâmica e na estrutura do país, sem garantia de condições de vida digna e de esperança em dias melhores, ou seja, sem que se supere a crise pela perspectiva do povo trabalhador é pouco provável que consigamos conter a força da
extrema direita.


A crise política é permanente. A composição atual é um episódio. Mais capaz de administrar os conflitos e menos perigoso para o regime, o governo Lula-Alckmin-Tebet resultou como solução provisória. Entretanto, já é nítida a tentativa de captura pelo Congresso Nacional, onde se expressam os interesses fragmentários das velhas oligarquias conservadoras. Funcionando por aparelhos, a Nova República por vezes só se mantém pelas mãos do Judiciário e sob constante ameaça de intervenção militar. Parece nítido que Lula não age para se libertar e governar, o que exigiria mais mobilização popular e menos negociação com o que tem de podre na política. O resultado do arranjo é incerto. É um governo que gira em torno do conflito de poderes que mantém viva a crise política.


É certo que para a classe trabalhadora se trata de um governo diferente e melhor, com algum grau de preocupação social e consequência política. Mas não nos iludamos, trata-se de um governo social liberal, a serviço do capital. Apenas para ilustrar, a quem interessa o Arcabouço Fiscal? Não há o que disputar por dentro!

Pensar grande é ir além da miséria do possível


O PSOL tem diante de si a possibilidade e a tarefa de se converter em instrumento de força, tenacidade, coragem e esperança para todas as vítimas do sistema. Podemos ser portadores de um projeto de futuro que vá além do melhorismo, que transforme o impossível em possível. Para isso é preciso vontade! É preciso estar aberto ao novo! Nosso povo é gigante e batalhador, digno de uma vida melhor e de um partido que expresse seus anseios. Por isso e para isso construímos e
defendemos o PSOL.

“Não estamos perdidos. Pelo contrário, venceremos
se não tivermos desaprendido a aprender.”
Rosa Luxemburgo

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CONGRESSO DO PSOL ADIA DECISÃO SOBRE TÁTICA PARA 2022

O VII Congresso Nacional do PSOL aconteceu em um dos momentos mais complexos da história recente do país. A combinação das crises, agravada por um governo abertamente antidemocrático, antipopular e antinacional, operador de uma política genocida e que flerta a todo momento com aventuras autoritárias, coloca na ordem do dia a mais ampla unidade de ação em torno da oposição a Bolsonaro e na defesa das já restritas liberdades políticas do país.

Bolsonaro é um sintoma mórbido da degradação social provocada pela crise. Derrotá-lo tem que ser a prioridade do partido, sobretudo porque sua derrota depende da mobilização e da luta popular nas ruas. Porém não basta enfrentar apenas o sintoma. Como fenômeno, o bolsonarismo brota da decomposição da própria sociedade brasileira. Como força política, veio para ficar. Ainda que dependa até o momento da figura de Bolsonaro como aglutinador, as frações e grupos que o sustentam possuem raízes desenvolvidas ao longo de décadas e não deixarão de existir mesmo na ocasião de Bolsonaro deixar o poder presidencial.

Junto a urgente tarefa de derrotá-lo, temos que nos colocar o problema da falta de alternativa política que mantém a classe trabalhadora refém do “menos-pior”, desmobilizada e desarmada para enfrentar os ataques incessantes. A superação das experiências da esquerda no país, que contribuíram para que chegássemos a este momento decisivo em tamanha desvantagem, é tão urgente quanto e complementar à luta contra Bolsonaro.

O PSOL surgiu da necessidade de reorganização, da busca por política independente e construção de um programa que expresse os interesses imediatos e históricos daqueles e daquelas que vivem do seu próprio trabalho. Nesse sentido, o Congresso do PSOL acendeu um alerta. É a própria razão de ser do partido que está em disputa. A decisão sobre o partido ter uma candidatura própria ou não, adiada para a conferência em 2022, é uma parte importante dessa batalha, assim como a resoluta certeza de que não devemos participar de nenhum governo de conciliação de classes.

A eleição de 2022 é muito importante e está cercada de incertezas. O que se coloca hoje é um cenário de enfrentamento ao Bolsonaro num segundo turno, com a necessária unidade da esquerda para derrotá-lo. Mas sem ilusões e sem abandonar objetivos ainda mais fundamentais. Em si, as eleições não resolverão os problemas estruturais que temos no país. É preciso construir uma alternativa política que aposte no protagonismo da classe trabalhadora para a superação da ordem das coisas, que se vincule às lutas e contribua no avanço das nossas batalhas, sem cair na armadilha de que as saídas se darão por via institucional, apenas através de representações políticas. Enquanto trabalhadores, somos a maioria da sociedade e o PSOL pode ser parte importante na constituição dessa maioria como força social.

A lógica de esperar a eleição de 2022, para só depois trabalhar na construção de uma alternativa, aumenta o risco de ser o bolsonarismo a única corrente de pensamento que apresenta críticas radicais à ordem estabelecida, sobrando para a esquerda a defesa da manutenção de tudo como está, numa posição conservadora de defesa do regime e da ordem, como se o atual regime fosse favorável aos interesses dos trabalhadores ou como se fosse possível um retorno ao passado, quando as coisas eram “melhores” do que hoje.

A decisão sobre adiar a decisão foi tomada com uma maioria apertada, 56% votou adiar e 44% votou por ter candidatura própria. Diante disso, seguiremos na luta pela afirmação de um PSOL independente, socialista, com cara própria – que continua expressa na pré-candidatura do companheiro Glauber Braga –, e que busque se ligar, se aproximar, se fundir, com as mais amplas massas trabalhadoras.

Nota do Coletivo Alicerce