Deveria ser óbvio, mas não é. O que aconteceu em 31 de março de 1964 no Brasil, foi um golpe. Um golpe que inaugurou um regime de ditadura militar associada com uma burguesia local e apoiada pelo império estadunidense, cuja lista de atrocidades vai além dos assassinatos, torturas, terrorismo, prisões, exílios, censura, supressão de direitos e liberdades.
Ao longo de duas décadas, mais do que nunca, violência e superexploração andaram de mãos dadas. O cenário do golpe era de profunda crise econômica e um Brasil polarizado. O fantasma do comunismo e a pressão popular por reformas de base, sobretudo a reforma agrária, moveram as forças militares para uma defesa contrarrevolucionária da ordem, escondida sob as falsas bandeiras da pátria, família, deus, liberdade e, pasmem, da democracia.
Ao assaltarem o poder, coroaram o desenvolvimento capitalista por aqui com muita repressão aos operários, com arrocho salarial e uma concentração brutal de renda. Ao invés de reforma agrária, capitalizaram o campo, fundando o atual modelo de agronegócio altamente destrutivo e concentrado. Avançaram sobre a Amazônia abrindo caminho para o garimpo e o desmatamento ilegal. Ocuparam o Nordeste, local de muitas revoltas populares, com uma violência absurda. Abriram as portas de vez para os grandes conglomerados financeiros e industriais que dominavam o mundo, inviabilizando qualquer sonho de independência e desenvolvimento nacional. Com suas obras de pseudo modernização e com vastos esquemas de corrupção, beneficiaram e concentraram os setores da construção civil e da grande mídia nas mãos de algumas famílias monopolizadoras.
A ditadura empresarial-militar praticamente cortou o fio do pensamento crítico e da luta política no país. Mesmo após seu colapso e a transição democrática, muito da nossa história foi perdida. O próprio período do regime nunca foi devidamente pensado. Os crimes e os criminosos da ditadura nunca foram julgados. A verdade, a justiça, a memória não foram conquistadas. Não à toa, quase 60 anos depois, num cenário de crise e polarização social, voltam a surgir movimentos pedindo golpe e intervenção militar, falseando e mentindo descaradamente sobre um pedaço da nossa história.
Mesmo com a importante vitória democrática nas últimas eleições, a ameaça golpista segue viva. E seguirá enquanto não houver julgamento e justiça aos crimes de ontem e de hoje. E ainda mais importante, a verdadeira democracia só virá com uma profunda mudança social no Brasil que, junto com a distribuição da renda e o aumento salarial, promova as tão necessárias e atuais reformas de base, reformas que precisam ser construídas por toda a população e exigem, portanto, poder para o povo, ditadura nunca mais.